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Nas últimas décadas temos assistido a um crescente interesse pela música do passado, em especial pela música escrita antes do Século XIX. O trabalho intenso de musicólogos, de construtores de instrumentos e de intérpretes, levou à redescoberta de um repertório, de compositores e de instrumentos, cuja memória, em muitos casos, se perdeu na noite dos tempos. Esse trabalho tem revelado uma riqueza extraordinária e conduziu progressivamente, através de muita investigação, a uma prática interpretativa que se aproxima dos ideais cultivados em cada época. A busca dessa prática interpretativa, por sua vez, conduziu, na atualidade, à redescoberta e à construção de instrumentos que, em alguns casos, apenas sobreviveram à passagem dos séculos em gravuras ou manuais de organologia. Com os instrumentos construídos na sua plenitude original, tocados com uma interpretação rigorosa de época, obtemos uma reconstituição esplendorosa dos ambientes sonoros dos séculos que nos precederam.

 

É essa reconstituição do passado que é pretendida no Ventos Nocturnos - Festival de Música Antiga de Castelo Novo. Para o efeito, ao longo de três dias, serão realizados vários espetáculos, onde surgirão compositores e obras, interpretados à luz das práticas dos períodos Medieval, Renascentista e Barroco, em instrumentos ou cópias de instrumentos originais, procurando reproduzir, nos nossos dias, as sonoridades do passado.

 

Na edição deste ano, teremos algumas novidades, destacando-se a presença de um Órgão Positivo, instrumento que no período barroco foi muito apreciado, já que os órgãos, por vezes monumentais, presentes nos templos, não podiam ser movimentados livremente, ficando a sua utilização limitada aos espaços religiosos. Mas o engenho humano produziu um instrumento portátil, construído segundo o mesmo modelo do citado órgão pleno, com a produção do som feita através da passagem do ar por um conjunto de tubos de tamanhos diversos, tornando-se assim possível a sua utilização nos mais variados espaços.

 

Este instrumento estará presente em três dos concertos do Festival, desempenhando as várias funções para o qual era requerido, isto é, como solista, no desempenho do Baixo Contínuo e adaptado como substituto dos restantes instrumentos do trecho musical original.

 

Tal como no ano transato, o Festival inicia-se com Teatro. Este ano, convidámos a Este-Estação Teatral, companhia de teatro sediada no Fundão, para apresentar a peça A entrada do Rei, de Jacinto Cordeiro, estreada em 2014, no Festival de Teatro Clásico de Alcantara, Espanha.

 

O primeiro concerto, que se realizará na Capela da Misericórdia, trará também novidades ao Festival. A Viola da Gamba, que foi um importante instrumento no período barroco, surgirá pela primeira vez em Castelo Novo enquanto instrumento solista, dialogando com um cravo e um violoncelo. Assim, estando no mesmo concerto Les basses réunies farão soar a música da transição do período barroco para o clássico. Será o primeiro de dois espetáculos sob o tema Música do Período Galante e terá como intérpretes os músicos do agrupamento Camerata da Cotovia.

 

O segundo espectáculo musical realizar-se-á na Igreja Matriz e será um recital com árias barrocas, com duas vozes femininas, soprano e alto, assegurando o órgão, não só as secções reservadas aos acompanhamentos instrumentais, mas também o Baixo Contínuo. Serão interpretadas obras de Vivaldi e Handel, bem como o sublime Stabat Mater, de Giovanni Battista Pergolesi.

 

O terceiro concerto trará também novidades. Pela primeira vez, teremos um recital com instrumentos de cordas dedilhadas. Será um concerto intimista, ao final da tarde, onde a intérprete, Maria Correia, nos trará essencialmente danças dos séculos XVII e XVIII, de autores italianos e ibéricos, tangendo para o efeito um magnífico arquialaúde e uma guitarra barroca. Este espetáculo conduzir-nos-á a um dos extremos de Castelo Novo e, em concreto, à Capela de Sant’Ana, um dos diversos templos da aldeia, que será assim, pela primeira vez, palco de um concerto do Festival. 

 

No final do dia, sob a frescura das árvores do jardim da Casa de Cima, localizada no Largo da Bica, propriedade da família Avilez Correia Sampaio, mediante inscrição prévia, o público terá oportunidade de sentir o paladar dos vinhos produzidos na Beira Interior através de uma Prova de Vinhos, orientada pelo enólogo Rodolfo Queirós.

 

A tranquilidade da noite trará a apoteose do Festival, com um espetáculo que reunirá harmoniosamente dança, música e multimédia e que se realizará nos Jardins da Quinta do Ouriço, Solar da família Correia Sampaio. 

 

Pela primeira vez teremos a dança no Ventos Nocturnos com o concerto performativo Martyria. A bailarina Maria Carvalho, e o ensemble Les Secrets des Roys terão como pano de fundo a música de Dietrich Buxtehude - um dos mais importantes compositores e organistas do Norte da Alemanha do Século XVII -, e em concreto o seu impressionante ciclo de Cantatas Membra Jesu nostri. Esta obra foi escrita a partir de um texto medieval, Salve mundi salutare, que se pensa ser da autoria de Arnulf von Leuven. O poema, utilizado magistralmente por Buxtehude, centra-se nos momentos finais da Paixão e representa uma meditação sobre os sofrimentos, e, em particular, sobre as dores de Jesus nas diferentes partes do corpo, atingidas no decorrer da Crucificação. Assim, na tranquilidade da noite de Castelo Novo, perante uma imensa abóboda estrelada, a bailarina movimentar-se-á ao som da obra de Buxtehude, interpretada por um conjunto de cantores e instrumentistas, num ambiente visual abrilhantado pelo encenador Ruben Saints, e pela Designer de Multimédia Lydia Neto.

 

No Domingo, último dia do Festival, será realizado, às 11h00, na Igreja Matriz, um concerto litúrgico com uma cantora e um organista, que acompanharão a habitual cerimónia da Celebração da Palavra.

 

Outra novidade na edição deste ano será a realização de um ateliê para crianças com o título Já cantam os galos, que tem como objetivo a interpretação de música antiga através do canto e do movimento. Os pais serão convidados a inscrever previamente os seus filhos nesta atividade, que se vai desenrolar no decorrer da manhã de Domingo, sendo a apresentação no final do Festival, após o último concerto.

 

Por último, às 15h00, estaremos de novo na Igreja Matriz, para o segundo concerto realizado sob a égide de música do Período Galante, com o título de Compositores ibéricos e suas influências na segunda metade do Século XVIII. O dispositivo instrumental será constituído por um par de Traversos, acompanhados no Baixo Contínuo por cravo e por violoncelo barroco.

 

Pedro Rafael Costa | Diretor Artístico

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